domingo, 22 de julho de 2018

Comece a resgatar e valorizar o tempo de contemplação



O cotidiano veloz – e feroz – vem tirando de nossos dias um fundamental instrumento de bem-estar e crescimento pessoal, que é o olhar para o belo e a natureza

por Márcia Peltier

No vaso de rosinhas da varanda, surgiu hoje um botão ainda fechado, ainda pequenino, ainda frágil no seu verde quase transparente. Mas já um milagre. Os milagres da vida nos cercam. Só que estamos deixando passar um imenso privilégio: o de fazer parte dessas pequenas alegrias. E por pura desatenção, por pressa e dispersão.

É certo que o mundo de hoje está turbulento. Quantas vezes nos levantamos de manhã e não conseguimos sequer olhar o céu? Quantas vezes passamos na mercearia, jogamos as frutas em uma sacola e não nos lembramos como é lindo esse ciclo da vida que nos alimenta? Talvez seja hora de parar e pensar: para onde foi a capacidade de apreciar o belo e aquilo que nos faz felizes?

“A grande revolução tecnológica gerou um impacto na vida de cada um de nós. Isso tem muitos aspectos positivos, mas trouxe uma exigência de sermos tão velozes quanto as informações”, analisa o professor e terapeuta Manoel Thomaz Carneiro. “Nosso cérebro se molda por esse estímulo e começa a depender de um ritmo que não é natural.”

Os milagres da vida nos cercam e estamos deixando passar essas alegrias que nos fazem mais felizes – por pura dispersão.

Em 1982, bem antes da onipresença da internet e dos smartphones, o diretor de cinema norte-americano Godfrey Reggio lançou o filme Koyaanisqatsi, um documentário que registrava em efeito acelerado os fenômenos naturais e da civilização. O subtítulo era – Uma vida desequilibrada. Nuvens e montanhas contrastavam com uma civilização em desajuste. O visual é um pouco antigo para nossos padrões de hoje, mas vale a pena dar uma lembrada no trailer.

Não faz muito tempo, uma viagem para outro continente levava semanas ou até meses.  Notícias de amigos distantes? Cartas, que cruzavam terras e ares. Havia mais tempo para reflexão e amadurecimento das ideias e dos sentimentos. Às vezes, parece que hoje andamos com pernas diferentes: uma delas, imensa, veloz, voadora; a outra, é a dos sentimentos e da humanidade, pequenina e perdida. E mancamos, claro.

“Perdemos as conexões neurais da contemplação”, continua Manoel Thomaz. “Se não estamos focados nas cenas e nas pessoas, o cérebro entra em suspensão da percepção e não registra os momentos. É preciso nos exercitarmos dispensando próteses eletrônicas. Senão tudo passa feito um raio e a pergunta final ao olhar a vida será ‘onde eu estava todos esses anos?’”

Temos o direito de estar inteiros em cada momento. Devemos nos permitir paradas para avaliação, pensamento e consolidação de nossas decisões. E, principalmente, para apreciar o belo da arte, da natureza, do desabrochar de uma flor. É o que nos faz alegres, vivos e, em última análise, o que nos faz docemente humanos.

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