segunda-feira, 15 de julho de 2013

Ser Outro em Si Mesmo


Escrevo esta crônica sentado na poltrona de um pássaro mecânico, destes bem grandes que o ser humano criou e que através deles aproximamos fronteiras e nos capacitamos a ver este planeta do alto...
Estou rumo à Paris em mais um encontro com a cidade que tanto aprendi. Desta vez por pouco tempo, mas quebrei com esta decisão o meu ritual de só atravessar o oceano rumo a Europa quando dezembro chega... Desta vez vou visitar o verão.
Serão 12 dias para providenciar algumas coisas e rever afetos. Estava tão condicionado a durante 21 anos passar três meses por lá, que considerava um pouco perdulário vir como se fosse um mini feriado em relação ao longo período que sempre permaneço.
Com esta vinda quebrei um hábito e isto me suscitou a pensar em todas as camadas que sobrepomos a nossa pele psíquica e que nos leva a grudarmos formas de ser que nos aporta a modos sonolentos de vida em repetições quase inquebrantáveis.
Repetimos por vezes nosso modo de ser, tão arraigados que como sonâmbulos vivenciamos nossas decisões sem percebermos outras maneiras de fazer a mesma existência.
Gosto muito de viajar, mas ultimamente venho sobrepondo um medo de voar que começou a envenenar o meu prazer. Isto começou a me incomodar.  Quantas coisas surgem em nossas camadas de ser que quando nos damos conta estamos encobertos por aspectos de nós bem improdutivos.
Percebi um aspecto da minha personalidade  começar a se tornar governante do meu modo de ser... Eu me percebi como um hóspede de mim mesmo... Eu me percebi obedecendo a um sentimento determinado por outro que se apoderou de mim: o medroso de voar. Quantos se tornam hóspedes de si mesmo... submissos... sem comandos.
Como li certa ocasião de uma cantora que dizia mais ou menos assim: “Gosto do relato de não termos poder sobre o exterior, mas temos plena autoria do modo pelo qual o vemos... O que nos faz preocupantemente responsáveis sobre nossas reações e sanidade.”
Somos a princípio cobaias do destino que joga experimentos sobre nossa vida, mas podemos ser ratinhos de laboratórios bem rebeldes ao estabelecermos reações totalmente voluntárias, para darmos bom cursos a nossa existência. 
Hoje enquanto o avião estava na cabeceira da pista, despertando a potência para a decolagem decidi que iria arrancar esse medo que se tatuou em mim. Subi com a potência do motor da decisão e me exclui daquele de mim mesmo que se contorcia ao invés de olhar o voo do pássaro... Arranquei mais uma coisa de minha cavidade do ser que se tornara como uma pele que me acovardava. 
Dou a você um conselho de boas vindas, daquele recém-chegado a um novo sentir, para você ser mais leve: se entregue a ser outro em si mesmo.
Tire alguma crosta que tenha grudado em você e renove a sua pele psíquica. 
Que tal a retirada de um medo que muitas vezes nada evita, ou uma busca de controle contínuo que exacerba sua convivência, ou mesmo algum desejo delirante que esteja a tornando com ideia fixa?
Deixe de ser hóspede do seu modo de ser. Olhe para dentro e se diga: “Pode entrar a casa é sua.” A partir daí mobílie seu amplo espaço psíquico com elementos que façam você passar pela existência de modo mais confortável.
Seja a partir daí inédito em si mesmo. 
Nesse exato momento o avião treme... Mas decidi que vou passar por esta experiência como titular do que quero sentir. 
Tem uma frase de um poema de Manoel de Barros que diz: “Deixei uma ave me amanhecer.” 
Deixei essa vontade de estar acima de quem me governava me amanhecer... Acordar-me.
Quando se está torto?
É só se aprumar. Se entregue ao bom voo de si... Seja outro em si...

Boa viagem.
A minha já começou para o mesmo lugar que vou há tempos, mas estou diferente e tudo a partir deste meu ineditismo ficou diferente.
Vá encontrar o seu verão...
Vá encontrar uma nova destinação de si.
O que mais encanta numa viagem é o desconhecido, essa falta de familiaridade que excita... Portanto você pode fazer uma viagem interna para descobrir novos modos em você mesmo, que levarão a fazer as mesmas viagens com muito mais prazer.
É uma delícia encontrar novos destinos na própria personalidade.
Vou encontrar o verão europeu e retorno com a nova crônica e o novo curso no dia 06 de agosto.
Para que destino você vai?
Para os medos? Para o seu complexo de rejeição? Para a desilusão? Para a sua eterna mania de reclamar? 
Nossa! Essa viagem é muito chata!

13 comentários:

  1. maravilha
    vou programar um nova viagem com roteiro diferente
    bjs

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    1. Aproveite...Só fiquei sem saber que è que irá mudar a destinação....
      Manoel

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  2. Bem pertinente !

    Também sinto essa sensação e também consegui voar nem que seja para dez dias , o que significa minha conquista dessa libertée...

    Boa viagem sempre ....
    Abraços
    Kátia Salén

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    1. Kátia
      è bom mesmo quando ultrapassamos as próprias fronteiras das limitações.
      Um Beijo
      Manoel

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  3. Manoel, o meu mundo fica mais interessante e melhor com a sua sabedoria. Obrigada, querido.
    Aproveita esse grande privilégio de estar em Paris, agora, sem medo de voar!

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    1. Denise
      Respondo daqui de Paris...com um pedacinho deste verão.
      Um Beijo
      Manoel

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  4. Olá Manoel, espero que você tenha feito uma excelente viagem para dentro de si, para o desconhecido com pouso em Paris. Que delicia!
    Você sabe que meu pai foi piloto da Varig (nossa saudosa Varig) e posso dizer que nasci dentro de um avião, pois viajo desde os 02 anos de idade. E, surpreendentemente, hoje tenho medo de avião. Nunca tive, mas agora vem esse sofrimento. Foi muito bom, para mim, ler sua crônica. Obrigada bjs erika

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    1. Erika
      Temos mesmo que vencer questões que nos aprisionam...
      Um Beijo
      Manoel

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  5. Vc como sempre desnudando a alma humana.
    Curta bem o verão de Paris, eu particularmente adoro.
    Bjs.
    Verinha

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    1. Verinha
      Penso em você, pois sei bem que você ama o bom daqui desta cidade.
      Um Beijo
      Manoel

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  6. Adorei sua cronica, caiu perfeitamente bem pra mim. Foi bom saber que o meu medo não é só meu. Otimo verão em Paris pra voce!!

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    1. Obrigado...
      Medos humanos...que compartilhamos com simplicidade da condição de estarmos aqui nesta vida que deve ser bem vivida.
      Manoel

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  7. Caro Sr. Prof. Manoel
    A distancia contribuindo com sonhos possiveis de realizações ou impossibilitando definitivamente os vinculos criados pela imaginação.
    Serafina

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