terça-feira, 2 de outubro de 2012

Em Cada Amizade, Uma Parte de Você?


Em Cada Amizade, Uma Parte de Você?

Outro dia uma amiga que mora fora do Brasil, me contava a transformação que estava passando em si mesma com a vivencia da fasciaterapia, que consiste basicamente em toques com movimentos leves em seu corpo. Dizia que através desses tatos, feitos sem muita pressão, começou a ampliar nela a sensação de estar viva. Na medida em que narrava, eu escutava hipnotizado, curioso para saber mais e mais dessa sensação de renascimento. 
E, pensei o quanto cada amigo que temos revela um lado de nós, pois com ela sempre vivencio a partilha na minha curiosidade sobre as experiências terapêuticas menos ortodoxas.
Somos realmente plurais em nosso modo de ser. Temos vários aspectos e em cada um, uma versão de nós. 
Uma das formas que uma pessoa tem para descobrir a si mesmo, é através da observação de qual identificação possui com cada amigo. Cada um atua como uma “Madeleine Proustiana” que, ao ser experimentada, o paladar daquele momento, irá remeter a um aspecto da pessoa. 
As várias versões de mim eu as encontro numa amiga que me suscita a minha vaidade quando a vejo tão cuidada, naquele amigo que no convívio estimula minha ambição de trabalhar bem e muito, há ainda aquele em que o encontro desperta o meu pensador, aquela que me leva ao hedonismo do paladar na vontade de experimentar vários “pinot noir” e brindar a vida, aqueles que são bons na viagem, outra excelente protetora e que me suscita o meu lado criança, outro mobiliza a minha aptidão para proteger. 
Quem sou? A soma destas partes.
Quem você é? A soma das suas partes, de cada coisa que você vive com alguém, de cada coisa que você realiza.
Não existe um amigo universal em que com ele você consiga falar sobre tudo que gosta e fazer igualmente tudo que deseja. 
Você conhece alguém que contenha os interesses dos quais você se interessa, como se fosse uma peça do seu quebra cabeça, que se encaixa direitinho em todas as suas formas de ser? 
Difícil encontrar esta alma absolutamente gêmea. 
O escritor francês Montaigne, do séc. XVI, dedicou um de seus ensaios sobre a amizade. Para ele, amizade se nutre das trocas e da capacidade de discutir ideias. O entrosamento ocorre como se fosse uma mistura de almas, que em alguns aspectos se confunde com o outro. Um dos seus ensaios, foi dedicado a La Boétie, um amigo que morreu jovem e sobre esta relação com o amigo, assim disse - “Na amizade a que me refiro as almas entrosam-se... Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que não o saberia expressar senão respondendo porque era ele, porque era eu.”
Assim podemos também perguntar - Por que esta pessoa e não outra qualquer para ser uma amiga?
Porque era ela, porque era eu.
O amigo apresenta afinidade em algo e com ele podemos viver aquele aspecto de nós com cumplicidade e prazer. Porque é nele que me vejo através da identificação. A soma dos amigos nos reúne no sentido psicológico. Cada fragmento de nós, em um. 
Li num artigo os resultados de uma pesquisa liderada pelo neurocientista, John Cacioppo, em que foi usada imagem do cérebro para mostrar que os mecanismos neurais das pessoas solitárias em relação às sociáveis eram diferentes. Colocadas numa máquina de ressonância magnética, as pessoas viam uma série de imagens. Quando olhavam cenas agradáveis, a área do cérebro que produz o prazer, mostrou uma resposta mais intensa nas pessoas mais sociáveis. Já as que eram mais solitárias e mantinham poucos contatos, eram muito mais suscetíveis diante das imagens mais dramáticas, sugerindo essa experiência que as pessoas mais solitárias eram mais suscetíveis às dores e, portanto ao sofrimento.
Como afirma o Neurologista Cacioppo, “O cérebro do solitário fica em um estado constante de alerta as ameaças.” A presença de outros na nossa vida, promove em nós a experiência da sensação de segurança. 
Uma pessoa mais solitária é mais ameaçada, mais ansiosa... e ainda carrega a desagradável sensação de desamparo.
Somos seres sociais e como tais, precisamos ao longo da vida encontrar aqueles que fazem parte de nossas afinidades. Quando nascemos não escolhemos quem iremos encontrar, porém no decorrer da nossa existência, vamos personalizando nosso convívio através das escolhas. 
Um bom critério de escolha? Afinidades positivas.
Do mesmo modo que existem pessoas que suscitam em nós o nosso lado bom, há os que fazem emergir pensamentos e sentimentos ruins.
Podemos realmente encontrar pessoas que promovem em nós o pessimismo, a melancolia, a frieza dos sentimentos, e outros tantos perniciosos a nossa qualidade de ser. 
Aos bons encontros devemos nomeá-los de amigos, aos outros perniciosos, de perigos. 
Somos influenciados pelo meio. Pessoa alguma é absolutamente impermeável a influência do outro.
Portanto, se amar constitui-se também da noção sobre a autoproteção.
Existe uma fábula do filósofo alemão Schopenhauer que expressa muito bem a medida da proximidade com o outro, seja quem for: os porcos-espinhos precisam se aproximar para que não morram congelados de frio, mas devem se manter longe o suficiente para não se ferir – Uma verdadeira atenção para encontrar a distância segura entre a proximidade necessária e a dor.
As aproximações são inevitáveis, mas as boas escolhas de nossos pares de amizade, as frequências e distancias são componentes de um importante aprendizado. Conviver é trabalhoso, mas necessário.
Fui assistir o musical “Milton Nascimento-Nada Será Como Antes” e me lembrei da Canção da América composta em 1980 que canta em seus versos:
“Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração...
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam “não”.
Sentada ao meu lado direito estava uma amiga que guardo do lado esquerdo, ao meu lado esquerdo estava outra amiga que mora no mesmo lado. Ambas são partidárias do meu desejo de assistir peças de teatro, musicais e do prazer em sair para jantarmos e desta forma comemorarmos a vida que vale a pena ser vivida. 
Na entrada do Teatro Net Rio, que é um espaço amigo das artes, encontrei duas que não via há tempos, mas que meu coração na hora me disse que ainda moravam nele... Assim como tantos outros amigos que moram em mim e com os toques de suas presenças internalizadas em meu coração, contribuem para eu me sentir vivo. 
Minha amiga que se descobre com sua “toqueterapia”, nos revela que todo toque de carinho ajuda a nos sentirmos mais vivos.
Cada pedacinho de você encontrará um espaço no outro. Cada outro trará o encontro com você mesma.
Cada encontro com você um crescimento, um despertar.
Aproveito estas linhas e faço uma homenagem a Hebe Camargo... que deixou inúmeros amigos e foi encontrar no céu, duas de tantos anos... Sarita Campos, que conheci, e Nair Belo. O céu deve estar bem animado, pois Hebe era uma festa.
Após descobrir as boas escolhas e aprender as boas formas de estar juntos, abrace suas amizades e diga como Hebe - “Como é grande o meu amor por você!”


Manoel Thomaz Carneiro

9 comentários:

  1. Manuel querido,
    Voce como sempre nos promovendo tanta sabedoria e auto conhecimento!!
    A vida fica tão mais leve com vc!E assim o elejo como meu grande ADMIRADOR, assim como nos ensinou o significado dessa palavra...Mirar a Deus!! Todos nós precisamos mesmo ter alguem a seguir e a nos guiar.E voce com certeza, através de suas aulas, e seus textos tão bem escritos, nos dá esse presente maravilhoso que é aprendermos a nos reinventar e nos conhecermos melhor, nos apaziguando com suas palavras e nos transformando em pessoas muito melhores!!
    Parabens sempre!! Um beijo carinhoso
    da sua eterna aluna,
    Elaine Velloso

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    1. Elaine, Presença presente no Pensar semanal..
      Admiro sua busca , seu aprimoramente, sua vontade de desdobrar sua alma através dos conhecimentos.
      Um Beijo carinhoso,
      Manoel Thomaz

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  2. Maravilha de texto. Vou compartilhar no meu grupo de leitura hoje pq vamos discutir o livro As afinidades eletivas de Goethe que trata exatamente deste assunto de modo romantizado.
    Adorei pq expressa exatamente, o que eu sempre soube. Tenho amigos para várias horas, fases da minha vida e elas realmente, fazem parte de um todo: eu. iNcrível!Amei

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    1. Potier,
      Fiquei tocado ao saber que o texto irá permeiar uma reflexão sobre um livro Goethe.
      Afinidades eletivas, perfazem a essencia da nossa existencia.
      Um Grande Obrigado
      Manoel Thomaz

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  3. Manuel,
    e...quando servimos apenas para PROMOVER certas
    figuras q se passam de AMIGAS?
    Não fazem absolutamente NADA q não estejam MAQUIAVÉLICAMENTE usando em favor próprio?
    Assistindo "AVENIDA BRASIL" identifiquei inúmeras..."CARMINHAS!" e...SE DÃO BEM!
    estão sempre APRONTANDO!
    tempo...tempo...tempo!
    carinhos

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    1. Pois é...Como disse no texto a alguns podemos chamar de amigos , a outros de Perigo. Exatmente como o Tufão vem fazendo com o coração partido vai abrindo os olhos e por amor a si se defendendo ...A vida imita aarte ou a arte imita a vida.? Os dois.
      Carinhos também
      Manoel Thomaz

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  4. Manuel,
    Realmente você é meu MESTRE...
    Seu texto ,sua sabedoria ,seu carinho é um aprendizado.
    Você consegue nos tocar em vários pontos.
    Você me mostrar tantos caminhos...
    Sempre digo para as pessoas queridas que agradeco elas terem entrado no meu vagão...pois a vida é um trem , e o trem tem varios vagões...e as pessoas entram nas estações e vc não sabe em que estação elas vão sair....e sempre digo meu vagao é o MAXIMO....kkk
    Agora sou eu que quero te dizer...
    EU TENHO TANTO PARA TE FALAR MAS COM PALAVRAS NAO SEI DIZER....COMO E GRANDE MEU AMOR POR VC!!!!
    Obrigada por entrar no meu vagão....
    Beijo no seu coração
    Gê Buffara

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    1. Ge Querida...
      è ralmente emocionante abrir a página e encontrar as suas palabras...dizer obrigado, nem cabe. Prefiro falar de amizade e carinho. Um Beijo
      Manoel Thomaz

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  5. A sensibilidade é um dom,assim como ter amigos e saber inseri-los em nosso cotidiano uma saabedoria.Voce soube muito bem nos fazer perceber como funciona esta din^mica.Mais um insigth...
    Bjo
    Vera Gon

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