quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Momentos... Acolhas ou Perdas.


Adoro a lua em todas as suas formas. Numa noite a contemplando numa varanda, de um lado me chegava o som de um piano, de outro, uma voz me trazia músicas da bossa nova. Esta atmosfera onírica me levou a pensar o quanto o mundo exterior penetra em nós.
Este tempo de sons e lua me reportou a um conceito da psicanálise, que fala que somos os conteúdos psicológicos pessoais somados a tudo que entra através dos sentidos em nossa essência.
Somos desde que nascemos devoradores dos mundos nos quais transitamos. Numa espécie de eucaristia nos alimentamos do que nos cerca. 
Absorvemos as paisagens, as atmosferas, os toques físicos, ingerimos as ideias, as presenças e também as ausências. 
Recentemente fui jantar num novo restaurante em Búzios, mas faltava atmosfera. Faltava sensualidade no ambiente para que além do prato, o olfato e a visão também encontrassem seus alimentos... Parece desprezível, mas somos estes canais de entrada que dão acesso aos caminhos de nossa alma. A partir desta comunhão com o exterior nos nutrimos para continuarmos na vida.
Nilton Bonder, numa entrevista para a revista “Lola”, afirma que “o fundamento da vida é saber ser participante”.
Como poderíamos refletir este pensamento de Bonder?
Primeiro, pensar em cuidar da percepção do papel que cada coisa, cada pessoa e cada ideia tem em relação ao que somos, ao que seremos, ao que sentimos e também ao que sentiremos. 
Saber ser participante requer desenvolver o reconhecimento das verdadeiras e por vezes sutis fontes exteriores de vida, requer também aprender o papel fundamental do zelo.
Zelo em que?
Zelo nas escolhas das amizades, das ideias. Zelo na atenção ao momento.
Quando saímos para jantar, selecionamos aonde vamos, e lá observamos a mesa, os pratos numa sucessão de cuidados. Tudo para que a noite seja agradável. Tudo para que os momentos permaneçam em nós.
Assim como ornamos nossa casa para que a vida nela seja confortável e agradável, as pessoas devem aprender a ser decoradoras do seu cotidiano. Afinal ele é um espaço a espera... Quem melhor souber preenche-lo melhor saberá viver. 
Para sermos “bons participantes” da vida o que mais devemos perceber?
Perceber a transitoriedade das permanências.
Cuidar destas permanências é reconhecer que tudo na vida sempre cumpre um ciclo. Surge, nos alimenta e acaba. Devemos portanto tentar estar inteiros quando a música e a lua se fizerem presentes. Evitar estarmos em dois lugares ao mesmo tempo, para que possamos deixar a música se calar, para que ela possa permanecer em nossa alma.
Muitos estão no cinema ausentes do momento, outros embarcam apenas metade de si para uma viagem e, ainda, há aqueles que se perdem tanto em seus pensamentos que se tornam incapazes de reter a vida... São perdulários dos momentos. Pena, pois gastam o que não se recupera.
Laços profundos com os momentos é um modo de fertilizar a sensação de estar vivo, de estar vivendo.
Às vezes para mim, algumas pessoas, recorrendo a uma expressão de Drummond, apenas passeiam seu espanto pela natureza. Espanto de que?
De serem uma “vaguidão personificada”.
Depois de um tempo em minha varanda, a lua se foi, mas não sem deixar as boas marcas da sua presença. A minha lua se foi, mas me trouxe na simultaneidade de sua partida a luz de um novo dia.
Nesta luz a clareza da natureza dos ciclos. A clareza da transitoriedade das presenças. A clareza da importância de cuidar de cuidados às presenças em nossas vidas. Pois tudo é uma visita. Somos os anfitriões que devemos saber acolher, usufruir, cuidar e deixar partir.
Um filme acaba, a música silencia, a lua parte obedecendo a sua trajetória, o tempo da varanda se esvai, mas tudo deixa para nós o rastro de sua existência. Como esta crônica, que chega ao seu final esperando que cada palavra encontre ressonância no coração de quem a lê.
A sua vida é como esta varanda, esperando você chegar...
Ao chegar nesta linha, depois de algumas releituras a lua reapareceu para novamente me visitar. Agora, vou recebê-la.

Imagem: “Sonata” de Thomas Mcknight